Existe um evento canônico na vida de, eu acho que, toda pessoa. Este é quando se é criança e está brincando no parque num final de semana a tarde, e então conhece outra criança que, com você, é capaz de criar uma brincadeira muito mais divertida que qualquer outra brincadeira já inventada. Revolucionários da infância ordinária. Quando chega a hora de ir, se despedem e nunca mais em suas vidas vocês voltam a se encontrar, embora tenham prometido de mindinho repetir no próximo final de semana.
Obviamente eu também sofri desse trauma irreversível, lembro como se fosse quinze minutos atrás.
Manaus, Amazonas. Eu devia ter uns cinco ou seis anos. Tinha uma pracinha (bem grande, por sinal.) subindo a rua da minha casa. Era domingo à tarde e como de costume minha mãe me levou para brincar lá. Não tinham outras crianças, era só eu, escalava árvores, corria pela grama, me pendurava na minha mãe, coisa e tal, tal e coisa. Até que John Lennon soltou seu coral infantil de Happy Xmas cantando war is overrrrrr com a chegada de uma menina que, com seus chinelos de dedo e suas variações de rosa na roupa que destacava sua pele negra e seus cabelos castanhos, devia também levantar um palmo de mão ao ser questionada sobre a idade. Ela se apresentou mas eu não lembro o nome dela, só lembro de ser um nome diferente e engraçado pra uma criança de cinco anos ouvindo ele pela primeira vez. A tia trouxe ela pra brincar, disse que morava ali por perto e eu estranhei pois nunca tinha visto ela, o bairro era pequeno e meio que todas as crianças se conheciam. Enfim. Brincamos, coisa de criança, escalar árvores, rolar na grama. Um folha de palmeira inteira tinha caído de uma das palmeiras, era gigante comparado ao nosso tamanho, demos um jeito de deixá-la em pé e fazer uma cabana pra brincarmos dentro. Lembro que tinham vários arbustos largos e vazios por dentro, também entrávamos lá pra fazer de casa.
O sol se punha, o céu mais pra azul escuro que pra rosa, era hora de eu voltar pra casa. Me despedi da minha amiga. “Você vem no domingo? Vamos brincar de novo?”. “Venho, prometo! Vamos brincar de novo.” Ela não voltou no final semana seguinte. Nem no próximo. Dezesseis anos se passaram e eu nunca mais a vi. Ui, que drama.
Um beijo pra querida-que-eu-não-lembro-o-nome-mas-que-foi-minha-primeira-melhor-amiga. Onde quer que você esteja hoje.
Passei por outra expêriencia menos dramática no ensino médio.
Curitiba, Paraná. Segundo ano do Ensino Médio. No primeiro dia de aula no meu colégio novo, escolhi a terceira carteira da fileira do canto esquerdo para sentar. Era longe da mesa do professor, ou seja, bom pra dormir, colar, e mexer no celular escondido. Uma garota loira dos olhos azuis e pele bem clara sentou na minha frente, Maria Fernanda, uma querida! Fomos bem amigos, até. Ela tinha estudado na escola anterior a que eu estava só que em ano diferente do meu. Ela faltava muito, não tinha redes sociais, adorava minhas músicas. Lembro que ela faltava muito, como disse, mas no começo nem tanto. Lá pelo final do primeiro bimestre começaram as faltas, no segundo se tornaram mais frequentes, chegando a ir só na segunda e faltar o resto da semana. No terceiro bimestre ela já nem ia mais. Eu e outros colegas perguntamos dela para alguns professores e eles disseram que ela pedira transferência. Nunca mais tive contato. Me recordo que quando pedíamos seu Whatsapp e ela sempre dizia “já te passo!” e nunca passou. Espero que ela esteja bem, com sorte e muita imaginação ela era uma agente do governo infiltrada de highschooler numa missão e, quando terminada, caiu fora.
Após ser visitado por esses e outros sussurros dos dias posso dizer que finalmente aprendi a entender o que dizem: Confie no acaso, ele pode trazer de mistérios a cenas de filmes para que você possa viver. Com uma pitada de ilusão, menina-que-não-lembro-o-nome e Mafê andam por aí se recordando como foi bom me conhecer.
3 respostas em “A melhor pessoa que eu jamais conheci.”
Viajei para minhas melhores amizades de um dia !
Muto gostosa sua crônica, vinicius:)
Um texto muito legal o seu, Vinicius, a respeito de memórias.
Eu tive algumas pessoas que ficaram pouco tempo comigo, mas marcaram minha vida pra sempre como o pessoal do último ano da faculdade de História na UFPEL. Lembro que “caí de paraquedas” e fiquei apenas seis meses com o novo pessoal, mas foi como se fosse anos.
Fiquei muito tempo sem encontrá-los, até o Messenger do Facebook aparecer pra diminuir um pouco esta saudade. Além dos outros colegas que viraram amigos nos quatro anos anteriores.
Uma dica, meu amigo: tente procurá-las no Facebook. Quem sabe através do Messenger tu não recuperas tuas memórias.
Afinal, os colegas escritores são pra essas coisas.
É isso. Um grande abraço e até a próxima.
Crônica muito bem escrita, deu para sentir o que o autor sentiu!