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A curiosa experiência de perder o juízo

Você ainda tem seu juízo ou também já perdeu ele? Seja qual for o caso, pegue um chá ou café, o que preferir, vou te contar uma história sobre os juízos que não precisamos ter.

No começo deste último mês, passei por aquele tão popular e corriqueiro procedimento de retirada dos sisos. No entanto, de corriqueiro teve muito pouco.

Passei nada menos do que cinco anos fugindo da cirurgia. Foi em 2019 que tudo começou. Em uma consulta de rotina, meu dentista decretou que meus sisos estavam deitados e precisariam ser removidos. Sendo eu como sou, em meus pequenos vinte aninhos na época, ignorei a necessidade autocuidado e comecei a postergar a cirurgia.

E foi como as longas negociações entre meus pais e eu começaram, onde todos os argumentos lógicos e racionais deles eram derrubados por duas meras palavras minhas: “não quero”. A pandemia também me ajudou nisso de postergar o inevitável. Não que eu não sentisse ou sofresse com a presença de meus quatro “juizinhos”, muito pelo contrário. Minha recusa era pura e simples teimosia, fui feita de uma argila que exala isso.

Essas negociações terminaram quando, no fim do ano passado, deixei escapar que os sisos me incomodavam cada vez mais. Meus pais aproveitaram a abertura e colocaram a coisa toda em movimento.

Mas este ainda não era o fim da saga.

Com raio-x em mãos, fui até o consultório daquele mesmo dentista do começo para ver o que seria feito. Ele deu algumas boas olhadas no exame, coçou a cabeça, olhou mais algumas vezes, pensou e então concluiu: eu não vou fazer sua cirurgia.

Levei um susto.

Meu dentista desde que eu era criança, ele conhece muito bem minha propensão peculiar por complicações. Soma-se a isto o fato de que meus sisos estavam em posições complicados. Os de cima, deveras cansados, estavam com suas cabeças escoradas no ombro de seus vizinhos, meio que na diagonal, cochilando. Enquanto isso os debaixo, exaustos ao extremo, havia decido que a melhor opção era deitar, estavam na horizontal e seus pézinhos roçavam carinhosamente o nervo.

Em outras palavras, meu juízo tinha alguns problemas. Grande surpresa!

Foi assim que descobri a existência de uma especialidade odontológica que, dentre outras coisas, lidam com dentinhos problemáticos, como os sisos, quando os dentistas cirurgiões não se arriscam: o bucomaxilofacial.

Minha cirurgia foi marcada para uma sexta-feira, mas não era treze, à tarde. Os quatro dentes foram embora no mesmo dia e levou uma hora e meia. Mas, claro, presenteei o especialista com uma cirurgia complicada e algo que ele afirmou nunca ter acontecido com ele antes, pelo menos não durante um procedimento: ar entrando debaixo da pele no lado esquerdo do meu rosto, que ele chamou de enfisema. Isso fez com que ele interrompesse o procedimento no meio para administrar alguns antialérgicos. Por garantia. E ainda ter que drenar esse inchaço depois da cirurgia e antes de me liberar.

Fora isso, também tive um pós-operatório complicado, com dores terríveis e uma visita emergencial à clínica no terceiro dia, por causa da inchaço e dor.

Depois de dez dias de sopas frias, caldos ralos, alimentações parcas, rosto inchado e remédios fortes, sendo cinco destes dias gastos chorando de dor, fiquei livre dos pontos, dos sisos e de quase toda a dor. A totalidade desta dor levou mais alguns dias para ir embora.

E foi assim que perdi os quatro pilares do meu juízo. Não que ter eles tivesse feito alguma diferença até então. Mas a analogia aqui é fácil acredito eu, juízo faz bem, mas não se ele te machuca. Um pouco de loucura às vezes faz bem, deixa a vida mais divertida…

No meio daquele tumulto de meu pós-operatório, meu pai lançou uma pergunta deveras pertinente: Por quê a gente tem um negócio que tem que tirar?

De fato, pensei eu com meus botões, por quê?

Então fui pesquisar porque temos sisos. Foi uma visita ao google comum e depois aos seu irmão acadêmico. Mais um ou dois artigos depois e obtive uma possível resposta. E aqui trago a explicação que encontrei.

Os sisos eram úteis aos humanos pré-históricos. Com seus maxilares maiores e mais fortes, os terceiros molares (nome mais pomposo dos quatro sisos) ajudavam na mastigação de alimentos mais duros. Conforme a evolução fez a sua *mágica* , a tecnologia mudou, passamos a ter facas (por exemplo) e alimentos cozidos (veja só!), nossas mandíbulas diminuíram de tamanho e o resultado disso foi que os sisos não só perderam espaço para se alojar confortavelmente e serem funcionais, eles se tornaram obsoletos.

Também descobri que siso vem do latim sensus, que significa sentido ou percepção. Em outra palavras: juízo, ou bom senso. Justo, os terceiros molares costumam nascer entre os 16 e 21 anos.

No geral, não parece muito diferente do apêndice, pensei comigo mesma, cuja única função, até onde eu sabia, era se ele tivesse uma inflamação ter de ser removido. Ou seja, um órgão vestigial e sem funções. Mas então descobri que pesquisas mais recentes atribuem a possibilidade de que ele fortaleça o sistema imune ou ajude na digestão. Não que isso faça diferença se houver inflamação e a apendicite acontecer, ele vai ter de ser retirado independente disso.

Nesse ponto alguém poderá, com razão, me questionar que reflexões todo esse relato nos conduz. Boa pergunta. A resposta que gostaria de dar é: nenhuma, só queria contar minha desventura odontológica. Considere como um conto cautelar sobre as consequências de adiar um procedimento de saúde. E porque a ironia de ter o juízo removido é grande demais para não aproveitar. Também queria escrever algo mais leve.

Porém! No espírito de um final menos anticlimático… Não sei, as pessoas mudam, o mundo muda… não fique se segurando àquilo que te faz mal e não sejamos sisos e apêndices na vida uns dos outros.

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