Eu o amei. Por 360 horas, pude afirmar com convicção que encontrei o tão ansiado amor. Enfim, me senti completa, realizada como mulher, amada, desejada. E ele, era exatamente tudo o que meu coração sonhou, não apenas fisicamente, mesmo tendo baixa estatura para a altura masculina padrão, ainda era maior que eu e isso me bastava. Seu corpo escultural como uma cópia fiel da obra Davi de Michelangelo, me faria admirá-lo por horas, sem me cansar. Seu corpo era perfeito e na medida perfeita para me proporcionar prazer. Seu rosto simetricamente perfeito, remetia aos galãs hollywoodianos dos anos 90. Suas mãos macias e delicadas, seus dedos compridos e finos, me levavam ao devaneio apenas ao tocá-las
A primeira vez que o vi pessoalmente, meus olhos doeram com o resplendor de sua beleza. Ele era lindo! Cada detalhe do seu rosto, a boca macia, carnuda, rosada, beijável, sedenta por meus lábios. Tudo nele exalava desejo. Seus olhos escuros, profundos, brilhavam de admiração por mim, pela mulher que eu era. Não sei ao certo se aquela admiração era de fato por mim, ou pelo que eu representava, pelo cargo que eu ocupava, pelo status que estar ao meu lado poderia proporcionar a ele. Enfim, sei que seus olhos brilhavam e isso me bastava.
Eu não sabia nada sobre ele, apenas que buscava ter alguém. Eh, e isso me fascinava. O desconhecido me fascina. O enigmático me envolve. Quem dera pudéssemos nos relacionar sem nos aprofundar no outro. A paixão se esvai com a profundidade. O encanto se desfaz com o cotidiano. O desejo se dissipa com a rotina enfadonha da convivência. De perto todos são monstros. As qualidades negativas se intensificam com o passar dos dias e a vida se torna monotonia.
Entendo que algumas pessoas, aliás, várias pessoas, irão discordar dessa minha teoria e eu respeito a liberdade de opinião, ainda que não altere em nada meu pensamento. Há aqueles que se encantam com pessoas que conhecem desde sua infância, dos quais sabem todos os detalhes da vida, até o dia que caiu o primeiro dente de leite, que conhecem todos os gostos, as dores, os temores, as frustrações. Não há nada de errado nisso. Será esse o ideal? Eu não sei. Não poderia afirmar o que é melhor pelo outro. Falo por mim. Sei dos meus anseios, dos meus encantos. E isso já é uma grande responsabilidade, imagine falar qual é o ideal de relacionamento como uma sentença definitiva. Longe de mim tal pretensão.
Quanto a mim, afirmo que quanto mais conheço alguém, menos o desejo. Isso me condenará a uma vida solitária? Também não sei, talvez. E não estou me preocupando com isso. A mim, me basta a angústia do hoje, afinal, o amanhã talvez não aconteça.
Toda essa angústia que a sociedade, em especial as mulheres têm com o envelhecimento, entendo como uma construção social vazia que só serve para sobrecarregar nossas vidas ainda mais do que já são sobrecarregadas. Isto não passa de mais uma doutrinação para impor ao outro que se prenda a uma família nuclear, monogâmica, patriarcal, que serve em sua grande parte, à conveniência dos homens. Por que, cá entre nós, de monogâmico os casamentos que vemos pelo mundo à fora, não tem nada. Aliás, em grande parte, é restrita às mulheres essa tal monogamia. E ai daquela que ousar macular essa instituição tão sagrada, será julgada com rigor e condenada, principalmente pelas outras mulheres.
Por muito tempo entendi o casamento como a principal necessidade de uma mulher para ter uma vida plena e completa. E em razão disso, ansiei e busquei desesperadamente por muitos anos, levando tombos e topadas, ignorando todos os contratempos. Até que me libertei daquela busca alucinada e percebi que não preciso de um casamento para me completar, já sou completa. Muito menos preciso de um outro alguém para ser feliz, pois já sou feliz. Eu tenho exatamente tudo que preciso para viver uma vida plena, eu mesma. Demorou para que eu entendesse dessa forma, mas por fim, entendi. Claro que se algum dia encontrar alguém que eu ame e que me ame de volta, isso poderá chegar a um casamento, não me fechei a isso, mas não para cumprir simplesmente uma função social. Talvez ainda encontre alguém que valha a pena abrir mão da minha maravilhosa e exclusiva companhia.
Quanto ao casamento como conhecemos hoje, não passa de uma construção social para controlar e limitar a mulher, estabelecendo papéis e funções que apenas as sobrecarregam, com mil atribuições e poucas vantagens. O que esperar de um formato criado para homens com o propósito de beneficiar aos homens? O que sei é que nunca me enquadrei nesse formato engessado, meticulosamente engendrado para nos enredar. O cotidiano, mergulhar na obscuridade da alma do outro, conhecer suas manias, deslindar seu passado é pedante, enfadonho, cansativo e desestimulante. Não quero viver apenas aventuras. Nunca desejei isso. Sempre sonhei com um amor profundo e avassalador. Com a sorte de um amor tranquilo com sabor de fruta mordida. Mas ter que ouvir os peidos dele ao amanhecer, observá-lo comendo feito um homem neandertal ou saber que ele foi reprovado cinco vezes em determinada série, me faz perder o brilho no olhar. É isso. Não é minha culpa. Eu não desejo agir assim. Mas é assim que acontece, apaga minha paixão, meu desejo, meu encanto.
O cotidiano é maçante. Quem dera encontrar alguém que me causasse encanto, fosse leal ao nosso relacionamento e aceitasse conviver cada um em seu canto. Seria o formato de relacionamento perfeito. Alguém que mantivesse a cumplicidade, mas respeitasse a privacidade e o cotidiano do outro. Convenhamos que nossa família de origem, da qual nascemos e onde nos desenvolvemos, nos causa aversão tantas vezes, são tantos trejeitos incômodos e hábitos intoleráveis, imagina alguém que fora criado sob outros critérios, com todos os maus hábitos e manias aprendidos na infância que carregam por uma vida.
Quem dera fosse acometida por alguma enfermidade rara que me fizesse descobrir o mesmo homem todos os dias, seria feliz eternamente. Viveria um eterno romance cheio de paixão. Cheio de desejo ardente e vibrante pelo desconhecido. Mas enfim, a vida não é um romance de Hollywood, e aquele amor por quem abriria mão de minha tranquilidade, aquela paixão cruel e desenfreada, que me inspirou diversos poemas e contos em três dias, que fazia meus olhos brilharem e minha boca dar câimbra de tanto sorrir, passou como um vento. É certo que foi uma ventania deliciosa, mas passou, varrendo qualquer vestígio de sentimento, de emoção, restando apenas o vazio, memórias que logo se dissiparão e nem farão mais sentido.
Após a paixão passar como um sofro, me peguei a refletir que toda aquela euforia e empolgação me acompanham a um bom tempo, e se fosse calcular em tempo a duração de todas as paixões que já vivi elas não durariam mais de 360 horas. Confesso que nem todas duraram tanto tempo, mas as melhores, aquelas que me fizeram acreditar que havia encontrado o homem da minha vida, essas sim, alcançaram essa marca.
Preocupante? Não sei. Acho que não. Preocupante seria se eu morasse em Las Vegas, por que teria uma extensa lista de divórcios em meu currículo. Mas não haveria problema algum, se todas as relações ocorressem dentro dos laços sagrados do matrimônio, ainda que durasse 360 horas. Se a vida pudesse ser fácil assim, tudo seria diferente, muito mais divertido. Mas infelizmente não é tão simples como eu gostaria.

Nasceu em Itarantim, Bahia. Reside em Vitória da Conquista. É bacharela em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, licenciada em Letras/Inglês e Filosofia. Especialista em Direito do Trabalho, Violência contra a Mulher e Docência no Ensino Superior. É poetisa e escritora. Possui o título de Doutora Honoris Causa em Literatura outorgado pela Academia de Letras do Brasil-SP, onde ocupa a cadeira 38. É colunista da Revista Escribas. Autora de “O Reflexo atual da subjugação feminina” entre outros livros de poesias e contos, participa em dezenas de coletâneas nacionais e internacionais. Ama correr, costurar, pintar, fazer pão, ver bons filmes e ler nas horas vagas. Orgulha-se em ser mãe e avó.
Uma resposta em “360 horas… que seja intenso enquanto dure.”
Se pra ti os relacionamentos são complicados, Chirles, (e são mesmo porque todos te pressionam mais do que torcida organizada de clube de futebol com relação a amor e a casamento), imagina pra mim que jamais me apaixonei na vida por medo de decepções.
Afinal, as mulheres nem notam que existo e não consigo entender os sinais do amor. Então, decidi que o melhor mesmo é ficar sozinho e seguir treinando as artes literárias.
Não é fácil pra uma pessoa como eu que tem o TEA (Transtorno do Espectro Autista) de nível 1 entender esse sentimento. É muito complicado entender essas nuances de casal, paixão e casamento.
Eu sou diferente demais dos outros, muito destoante do mundo em que vivo. Em outras palavras, vivo em outro mundo que não é esse.
Então o amor é uma coisa que acho muito difícil de saber porque nunca amei na vida e acho improvável passar por essa experiência porque como disse antes, sou muito diferente das outras pessoas. Prefiro ficar mais na minha.
A não ser que encontre outra do mesmo aspecto que eu.
Realmente a paixão é bem complicada de resolver.
É isso, Chirles. Foi bom te ver de novo.
Um grande abraço e até a próxima.